quarta-feira, 20 de julho de 2016

Pais e Filhos

A verdade é que aos poucos, eu fui vendo que eu também correspondia àquele amor. Não pensava que seria capaz de amar alguém depois do que eu sofri com Hans, mas milagrosamente, aos poucos, Felipe me conquistava. E me fazia imensamente feliz, de uma forma surpreendente. Mas nada é perfeito nessa vida, e a minha família não o aceitava.

Meus pais são cariocas, sempre foram pobres e sempre viveram no mesmo apartamento, no subúrbio do Rio. Não sei detalhes da história da vida adulta do meu pai, só sei que foi casado, teve dois filhos e a primeira esposa faleceu. Tinha problemas pessoais com a família da esposa e os filhos foram criados pelos avós maternos. Passado algum tempo, papai casou com a minha mãe, 17 anos mais nova que ele. Meus avós obviamente não gostavam do meu pai no início do relacionamento, mas com o passar do tempo, eles começaram a se entender e, apesar de às vezes trocarem farpas, se "aturavam" e se davam bem. Cinco anos depois do casamento, eu nasci. Só fui descobrir dos meus irmãos quando já tinha uns 9 ou 10 anos. Tivemos muito pouco contato, já que eles não gostavam da minha mãe. Eu também nunca os procurei, mesmo depois de adulta. Nunca senti muita falta de ter irmãos, pra falar a verdade.

Enfim, voltando ao foco do assunto, meus pais sempre sonharam que eu teria uma vida de princesa. Apesar da nossa condição financeira, eu sempre fui muito estudiosa e consegui passar com bolsa integral para os melhores colégios do Rio. Sempre fui a filha perfeita, que queria ser médica. Que só estudava o dia inteiro. Que não ia pra balada, não namorava, não saía... Que era o "exemplo" de tudo o que uma garota deveria ser. Ou seja, uma nerd chata. Nunca me incomodou esse rótulo, eu sempre gostei dessas coisas, de estudar, de viver cercada pelos livros, tecnologias e afins, mas a verdade é que eu não vivi. Eu não posso dizer jamais que eu "perdi" os melhores anos da minha vida estudando, porque seria extremamente injusto com todas as oportunidades que a vida me deu. Esses anos me transformaram em quem eu sou e me permitiram buscar uma vida melhor, não só pra mim, mas para os meus pais.

Sabe, é difícil demais você crescer sendo uma adolescente pobre no meio de um monte de alunos riquinhos, que contam sobre as suas viagens pra Disney nas férias, enquanto você passou as suas férias com a cara enterrada em um livro de inglês, tentando adiantar o curso. Pior ainda é ver seu pai desempregado e sua mãe tendo que caminhar quilômetros pra poder economizar na passagem de ônibus pra te buscar na escola. Eu usei camisa de escola pública e carteirinha de estudante falsificada pra poder economizar na condução. Eu vi minha mãe chorando escondida porque não tinha comida suficiente para três. Como meu pai era mais velho, arrumar emprego era dificílimo, logo, tudo recaiu sobre a minha mãe e ela teve que arrumar um emprego como doméstica para ajudar com as despesas de casa, enquanto meu pai fazia diversos bicos.

Não foi fácil. Eles fizeram muitos sacrifícios para que eu pudesse me sair bem na vida, assim como eu também sacrifiquei a minha adolescência para conseguir estar entre os melhores e lograr êxito nos meus objetivos. Mas como eu disse, nessa correria toda, eu não tive tempo de viver.

Eu não namorei. Eu não fui à festas, à baladas. Eu não beijei ninguém escondida atrás da escola. Na verdade, nem na faculdade. Eu só comecei a viver, a partir do momento que o Felipe entrou na minha vida. E talvez seja por isso que é tão difícil abrir mão dele, ainda que os meus pais me pressionem o tempo todo para fazê-lo.

Eu acredito que eles não gostam de Felipe por diversos motivos. Ele é grosseiro, às vezes. É teimoso, orgulhoso, às vezes se acha o dono da verdade. Inclusive muitas vezes ele fala umas verdades que incomodam visivelmente os meus pais, já que são críticas à minha criação de "filhinha de papai". Ele estuda porque tem que estudar, mas não é nerd que nem eu. As vezes chega a ser preguiçoso. Mas ele não é só isso... E o grande problema é que os meus pais não vêem o "além", não enxergam o que eu enxergo. O cara doce, que abre mão de tudo pra estar comigo, que tenta me proteger das coisas... Que se preocupa comigo e que me ama. Muito. E só quer o meu bem.

E eu sei que os meus pais também têm todas essas características do Felipe, eles também querem o meu bem acima de tudo, mas eu não sei até que ponto essa implicância com ele tem fundamento ou se é apenas medo de deixar a garotinha deles seguir a vida, sair do casulo e crescer um pouquinho.

Isso me incomoda tanto... Tudo o que eu mais queria era que eles se dessem bem. Que fossem amigos, já que todos os três querem a minha felicidade. Eu já tentei de tudo... E quando eu achava que estava dando certo, tudo andou para trás.

Tem certas coisas na vida que estão ao nosso alcance, mas uma trégua entre meus pais e Felipe, acho que só com a intercessão divina mesmo... Para a minha tristeza.